quarta-feira, 16 de novembro de 2016

ANTÓNIO CÂNDIDO FRANCO | Cruzeiro Seixas: as cartas do rei Artur


O poeta brasileiro Floriano Martins acabou de organizar e publicar um livro de Cruzeiro Seixas, Confissões de um espelho (Fortaleza, Agulha, 2016, pp. 188), cujo núcleo são 45 cartas ao organizador, escritas entre Setembro de 2003 e Novembro de 2015. Floriano Martins fora já editor de Cruzeiro Seixas em 2005 com Homenagem à Realidade (São Paulo, Escrituras).
O novo livro é peça digna de nota, desde logo pela importância das cartas de Cruzeiro Seixas, as primeiras deste autor que se publicam em livro. São cartas longas, recheadas de afirmações aforísticas, de boa valia para conhecer quanto o português pode ser desconcertante na escrita como nos desenhos que elegeu como a sua primeira e mais importante forma de expressão. Numa carta de 2006 diz: “Eu nunca coloquei nada na net, tornando-se insuportável para mim navegar sem água.” Numa outra, de 2015, deixa esta indicação: “Creio que a pintura entendida como a entenderam Velásquez ou os impressionistas acabou.” Em duas outras faz questão de se afirmar um alcoforadista intransigente e apaixonado. “Mariana Alcoforado que amo mais do que o Chamilly”, diz ele.
As cartas são complementadas por várias entrevistas, depoimentos internacionais – são notáveis os textos de Sarane Alexandrian e de Franklin Rosemont – e até uma antologia de 12 desenhos e 12 poemas, que revelam o convívio apaixonado do organizador com a obra do seu autor. O conjunto é doravante indispensável para se conhecer Cruzeiro Seixas e até para abordar alguns dos sulcos maiores e menores que o surrealismo gravou de forma indelével em Portugal e no Brasil.
Foi Mário Cesariny que peneirou o surrealismo português até obter esta síntese (As mãos na água a cabeça no mar, 1985: 272): Fundamentalmente [no surrealismo português], tratar-se-ia de três posições que, convergindo, divergem: o Amor-Mágico e Extra-Mundo, de António Maria Lisboa; o “Amor, Amor Humano”, amor “que nos devolve tudo o que perdêssemos”, de Mário Cesariny de Vasconcelos; a impossibilidade de Amor, ou a Abjecção de Pedro Oom do Vale. Estes os três motores sempre presentes (…); em vão se procurará no surrealismo português chaves muito diversas destas “três penas capitais”.
Não fica mal juntar hoje a estes três nomes e posições o nome e a posição de Cruzeiro Seixas. O amor solar, estival e alucinado, foi o caminho e o sinal da sua vida e da sua criação; os seus desenhos são uma selva de emaranhados e admiráveis símbolos sexuais e a sua vida, que elegeu por estrela condutora Mariana Alcoforado, aspirou a ser o elogio da paixão escaldante.
Aos três mundos do surrealismo português apontados por Mário Cesariny, é de justiça acrescentar o mundo de Cruzeiro Seixas, que este seu epistolário com Floriano Martins nos ajuda a conhecer por dentro e a perceber mais próximo do Extra-Mundo de Lisboa, e até do Amor Humano de Cesariny, que da Abjecção de Oom, não obstante a leal Amizade que desde a adolescência na escola António Arroio uniu o autor de “Um ontem cão” e aquele que um Mário Cesariny com poderes especiais para nobilitar os seus pares nomeou “Rei Artur”.



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SEIXAS, Cruzeiro: Confissões de um espelho. Fortaleza: ARC Edições, 2016.

Visite a nossa loja: http://abraxasloja.blogspot.com.br/2015/04/em-silencio.html.



sábado, 19 de dezembro de 2015

MEG GUIMARÃES | Em silêncio


Estive nesses três dias em contato com a especial linguagem deste livro dos poetas Floriano Martins e Viviane de Santana Paulo. Ele mora no Brasil e Viviane na Alemanha: O título - de uma beleza sutilíssima: EM SILÊNCIO. Um livro de poemas não se lê em tão pouco tempo, ele nos exige, nos arrebata (ou não) seduz, mostra-se aderente à nossa imaginação, e nem estou falando do desafio de interpretá-lo. Só quero dizer duas coisas enquanto estou em fase de lutar com as aderências de gosto e a curiosidade da filiação, da criação, digamos. De uma coisa tenho certeza, um livro tem que nos seduzir e o leitor tem que - de um certo modo, descansar do esforço ou da ilusão de tê-lo apreendido. Exatamente como este.
O que eu quero, logo de início - e isso perdura desde que comecei a VER as palavras, passando em seguida para o reajuste da emoção, ou do desafio - é reconhecer o que porventura conhecesse, ou, no caso, ser testemunha das especificidades linguísticas. Terei talento para isso? Sinceramente, não sei. Mas sei e sabemos todos, que a Poesia é sempre uma aposta da palavra, o transe em que elas podem nos deixar.  Nesse livro há um esgarçamento dos significados, a inventividade, as impressões esfumadas, muitas das vezes. Enfim, as palavras criadas se submetem à poetização! Os matizes, por exemplo de ABISMANTO - palavra e expressão que sugere a queda, mas também o encantamento. E, mais que tudo, a matéria prima do Poeta e do FILÓSOFO: a saber, o ESPANTO!
Eu estou assim, mergulhada na evanescência, no cromatismo das palavras desse dois feiticeiros.
Além de eu dizer: muito obrigada, nessa escrita que já se alonga, eu gostaria que todos pudessem experimentá-los.

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FLORIANO MARTINS. O poeta, o tradutor, ensaísta, editor e organizador (daquele belíssimo livro de Antonio Barahona, por exemplo), e sim, sim, um MILITANTE do fazer poético - é o Diretor (e Curador) da Agulha Revista de Cultura, que ninguém pode dizer que não conhece ou que não deve nada a ela. Conheça aqui: http://arcagulharevistadecultura.blogspot.com.br/.

VIVIANE DE SANTANA PAULO. Também ensaísta, além de poeta, reside na Alemanha, como já disse anteriormente.

Aos dois, um agradecimento sincero, e obrigada pelo deslumbramento.


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MARTINS, Floriano & PAULO, Viviane de Santana: Em Silêncio. Fortaleza: ARC Edições, 2014.
Visite a nossa loja: http://abraxasloja.blogspot.com.br/2015/04/em-silencio.html.






terça-feira, 27 de outubro de 2015

OMAR CASTILLO | Floriano Martins y Agulha Revista de Cultura


Floriano Martins es ante todo un poeta que se atreve a vivir su noción de realidad. Noción con la cual se comporta en el mundo. Su obra poética nos abre y dona su sentimiento vital hacia la realidad, su instinto para descifrar la luz y lo oscuro que la generan. Las imágenes que salen de sus metáforas, en su crear, se adentran por los resquicios más arduos del continuo humano, por las oquedades de su memoria. Con ellas escarba lo abrupto, lo sutil, y lo casi estéril de esa memoria donde se oculta el misterio. En sus poemas, su estro amoroso penetrando su escritura, los cuerpos y los signos que esta toca, es una de las características de su ver y crear, una muestra son estos versos de su poema “A quien sepa el nombre de ella”: “Ocúpame con tus senos y su álgebra frenética, / con la brevedad del abismo que cultivas en la mirada”. Su obra es enigma y revelación celebrándose en la danza que surge entre las ascuas del sueño y los delirios de la vigilia, danza que le permite al poeta aprehender las analogías, inclusive las más obstinadas y opuestas, donde yace el germen de la vida. El fuego de la otredad. La raíz en la semilla del tiempo.  

Con su obra poética, con sus traducciones de poetas del español al portugués, con sus ensayos sobre poesía, con las varias antologías preparadas por él, por su generosidad, Floriano Martins, desde su natal Fortaleza, Brasil, es un referente del suceder creativo en la poesía Iberoamericana. Un referente cuyo faro nos permite acceder a su obra y, también, encontrarnos con mucha de la poesía que se ha escrito y se escribe en español y en portugués.

Floriano Martins es de una amplísima actividad, no se imagina uno como hace para que el tiempo cotidiano le permita realizar todo lo que hace. Además de las actividades ya nombradas, tendría que agregar las dedicadas a sus intervenciones plásticas, a su labor fotográfica, a las tantas maneras como él nos participa su universo vivencial, creador. De su vasta aventura editorial es imprescindible la realizada desde 1999 a través de Agulha Revista de Cultura, cuyo número del mes de octubre de 2015, está dedicado a la admirable obra de la pintora Susana Wald.










segunda-feira, 6 de julho de 2015

CARLA SCHNEIDER | A arte de fisgar: collages de Floriano Martins




O fazer artístico que envolve deslocar imagens de seu contexto original para um novo, mudando seu significado, chama-se collage. O termo collage refere-se a este quebra-cabeça de imagens ora justapostas, sobrepostas, isoladas, resultando numa atração de tal força que elas acabam se grudando mesmo que não haja cola. A trama de significados, neste caso, funciona como cola. Este jogo de analogia entre imagens provém de longa data, de várias manifestações artísticas e caseiras, mas é no Cubismo, no Dadaísmo e principalmente no Surrealismo, que se encontra em maior extensão. Produzir collage muito se assemelha a produzir sonhos. Ambos trabalham com fragmentos, interrupções, cortes, deslocamentos, elementos desconexos, alegóricos, simbólicos. Justamente por deter estas características, a arte surrealista acabou por ampliar o termo collage. Desconfio, apesar de não ser poeta, que há um grande parentesco entre fazer collage e fazer poesia.
Floriano Martins se diverte, leva a sério esta brincadeira de fazer collage a ponto de nos chamar para um passeio por suas trilhas. Tudo começa no primeiro encontro, que pode ser a primeira vista, ou não, mas acredito que o encontro acontece quando você para, olha, observa, vê e conclui que estas collages deixam seus olhos irrequietos, intrigados, não se dando por satisfeitos. Tem alguma coisa de estranho por aqui, poderiam eles dizer. Deixe-me ver. E assim, o olhar vai se aprofundando, mergulhando na collage e, pronto, fomos fisgados. É isso mesmo o que acontece. Estas imagens elaboradas por Floriano Martins precisam ser completadas por nossos olhos, e para isso, nos exigem mais do que o olhar. Necessitamos ver, ver além do óbvio. Deste convite instigante, desafiador, resulta um fascinante quebra-cabeça que através da junção de fragmentos, desencadeia um novo simbolismo: decifra-me ou te devoro.
Há algum tempo acompanho as produções artísticas de Floriano Martins, quer seja na poesia, nos ensaios ou, mais profundamente, nas collages. Posso dizer que a grande maioria delas trazem imagens de livros, escrituras. Nada mais coerente e sincero, se consideramos a veia poética deste artista, e o fato dele confirmar que a quase totalidade de seus trabalhos com a collage se dá em função de sua poesia, do diálogo com ela, mesmo que se trate de capa de livro de ensaios ou de outros poetas.
Nesta série em especial, Rasuramore, vejo que os livros incorporam uma aura que, por sua vez, cria um ambiente sacro. Percebo seres centrais que evocam presença religiosa, humana e mitológica. O todo emana: escritos sagrados.
Em Rasuramore I encontra-se uma figura central que nos conduz à religiosidade, devido ao seu manto, à postura corporal, ajoelhada e à dinâmica do papel que voa evidenciando uma atmosfera suave. Acredito que para Floriano o ato de escrever seja mesmo uma religião, assim como o encontro no poema-livro Sábias areias, que tem todo um ritmo de leitura semelhante às rezas.
Rasuramore II nos traz um homem posicionado de tal maneira que mais parece o próprio habitante do livro ao qual está sobreposto, o que por si já faz uma analogia direta às mãos que, a meu ver, também são partes sacras do corpo humano. Olhando mais profundamente para a figura "homem-livro-mãos", vejo que entre estes elementos há uma dinâmica redundante, quase que circular, resultando num todo sem fim. Sendo assim, o olho dirige-se primeiramente para a cabeça do homem, que segura uma haste, que se junta à mão esquerda, que segura o livro, que segura o homem, que carrega a haste, que se junta à mão esquerda etc. Ao fundo, mais no canto superior direito, há uma representação que se assemelha a uma montanha, fazendo com que a figura "homem-livro-mãos" transporte-se para o primeiro plano da collage, em uma situação espacial que parece flutuar. Esta montanha ao fundo pode significar pilha, montanha de livros que nos dá margem para saltarmos à escada de livros em Rasuramore III. Esta escada, por sua vez, funciona como caminho certo, guiando-nos a caminho da terceira collage.
Aqui, o elemento central é um livro totalmente aberto, exposto, sendo segurado por uma mitológica figura feminina, posicionada sobre os livros que lhe servem de pedestal. Como é interessante perceber o olho passeando por esta collage! Vejo primeiramente a escada de livros que convida para o passeio. Mais adiante encontro as vestes da Vênus, logo após seu corpo, seu rosto a contemplar o livro que segura. Sim, cheguei ao livro, elemento central, aberto de tal maneira que nos invade de curiosidade, convidando-nos à leitura. Aqui podemos ficar o tempo que quisermos, deleitando-nos com as mais variadas histórias. Caso não nos percamos dentro do livro conseguiremos prosseguir o passeio seguindo pelo manto da Vênus, que se esparrama pela escada de livros, e parece nos dizer: "a saída é por aqui".
Partindo da observação de como Floriano Martins dispôs as figuras centrais na série Rasuramore, sendo elas respectivamente religiosa, humana e mitológica, é possível concluir que há evidências de que os livros sejam a morada delas. É como se, caso eu quisesse conhecer melhor uma destas figuras, com certeza as encontraria nos livros.
Acredito que Floriano Martins tem suas collages como iscas, que acabam por nos fisgar, levando-nos para o prato principal deste artista, ou seja, sua poesia, seus poemas. A ideia que tenho é que acabamos por ser jogados numa viagem insólita, onírica, artimanha típica de quem é poeta de vertente surrealista.



[Publicação original na Agulha Revista de Cultura # 6, agosto de 2000]



domingo, 28 de junho de 2015

LORENZO FALCÃO | Quase 600 páginas de "proesias"



“Eu tenho vivido sob o salvo conduto do acaso”. É a frase que fecha a entrevista de Floriano Martins na entrevista a Márcio Simões, e que está nas últimas páginas do livro “A vida inesperada” (Arc Edições), lançado recentemente. Reúne a obra poética completa de Floriano, abarcando sua produção em verso de 1991 a 2015. 
O livro é um tijolo, com suas quase 600 páginas. “São poemas escritos durante os últimos 24 anos, 20% publicados no Brasil, 40% em países de língua espanhola e o restante inédito. Mas foi tudo remontado, reordenado”, explicou-me Floriano, em seu último mail, respondendo indagações finais que eu precisava para escrever esta matéria. 
Ensaísta, tradutor, poeta, editor de veículos literários e aventureiro na música e nas artes plásticas, “seo” Flô, como gosto de chamá-lo, é um militante feroz das letras. E o que temos em “A vida inesperada” é algo valioso, pois dá vazão à sua obra poética completa, onde predomina a inspiração e a estética surrealista. 
“Vejo o convulsivo na poesia de Floriano Martins dentro daquilo que no Surrealismo se define como belo, vejo o encontro de elementos, sensações e temas, no ponto em que deixam de ser opostos”. É o que está na contracapa da obra, assinado por Susana Wald. 
É curioso observarmos a frase inicial deste texto, para contrapô-la, com parte dos escritos de Floriano, como suas entrevistas e ensaios que jogam luz à produção literária de inúmeros poetas e escritores, notadamente, aqueles com algum vínculo ou aproximação ao surrealismo e/ou outras vanguardas das letras universais. 
Entender e saber expressar-se em torno desses escritos que não são muito acessíveis ao leitor mediano é uma tarefa importante. E usar da razão e do seu conhecimento para esclarecer as coisas, é o que Floriano também tem feito, além da sua produção poética. É que sendo o Surrealismo um movimento artístico e literário, concebido com a intenção de enfatizar a força do inconsciente na atividade criativa, que estaria sucumbindo pelo racionalismo, assim sendo, ligada ao “acaso”; isso jamais impediu que o autor da poesia – ou prosa poética – de “A vida inesperada”, se permitisse a destrinchar os motivos e inspirações brotados da inconsciência, nas letras de inúmeros autores ligados, de alguma forma, ao Surrealismo. 
Daí que temos dois Florianos distintos. Um que é generoso e repassa sua informação e seus conhecimentos sobre poesia, buscando a clareza como objetivo; e outro, o criador, que escreve sua poesia libertária segundo dita a voz que vem de dentro dele próprio, e sem fazer concessões ao leitor, porque o compromisso maior do artista deve ser sempre com ele mesmo. 
“A poesia de Floriano Martins é o lugar quase lascivo de uma ambiguidade. Desfrutar dessa ambiguidade é um privilégio que, em definitivo, não é para todo mundo”, escreveu em “A vida inesperada”, Renata Sodré Costa Leite. 
O Tyrannus recomenda com gosto a obra que chega. Especialmente para os iniciados na arte da escrita, ou para aqueles que não temem o novo, o diferente. 
Os interessados no livro podem descobrir como adquiri-lo através do link abaixo... 

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[Originalmente publicado em http://www.tyrannusmelancholicus.com.br/noticias/5998/quase-600-paginas-de-proesias]



domingo, 21 de junho de 2015

JORGE PIEIRO | Intromissão numa vida inesperada



Peço permissão, a princípio, para ler o poema 35 de Lembrança de homens que não existiam:

Agora abrimos a escada, para que possamos ir e vir.
Objetos e nomes saltam em todas as direções.
Um livro rasteja por entre pernas alongadas de móveis incertos.
Os adjetivos semeiam sua tempestade de assombros.
Vozes não identificadas ensaiam um happening que se reescreve indefinidamente.
Muitos de nós nos encontramos em dois tempos no mesmo sítio.
O livro-serpente vai deixando seus ovos por onde passa.
São pequenos símbolos que ao romperem a casca se convertem em dragões.
Os esconderijos são anfíbios e confundem todas as espécies.
Aos poucos descobrimos que respiramos o ar que produzimos.
A terra já nos extinguiu e ainda não demos por conta.
As escadas cambaleiam, não sabem a quem recorrer: aos que entram, aos que saem.
Eu perdi o meu nome em um desses conflitos.
E agora só me resta esperar que saibas retornar ao ponto em que nos surpreendemos um com o outro.

A vida inesperada, de Floriano Martins é mais do que um acaso. É um acontecimento eternizado de uma falsa instabilidade. Não, não pensem que esta pedra, na capa do livro, mantém equilíbrio sobre o tronco da árvore, apenas por ser uma foto. E foto é instantâneo, sem momento seguinte aparente. Inesperadamente…
Por aqui jorram 24 anos de uma poética tensa, de abismos, abissal. É bom lembrar que aos abismos não se permitem desistências se neles entramos. A não ser que a finalidade não seja o Fim sem resistências.
A poética de Floriano Martins carrega um celeiro de fantasmas (ou seria fantasias do que respiramos?). Os três primeiros momentos da obra, Cinzas do sol, Sábias areias e Tumultúmulos, já me prestaram dias e me fizeram perder o ar, lá se vão 20 anos… Foi quando escrevi um ensaio intitulado Galeria de Murmúrios, e ali dissera que "o herói redime-se no poeta e mártir" e que aquele poeta, já maduro, mais responsabilidade teria com a sua obra futura.
Foram palavras quase por dizer, pois, realmente a poética de Floriano já se consolidara naquele tempo. Ei-lo, pois, perpetuando sempre de modo diverso o seu desígnio: "o inferno todo passa por aqui e se lastima do que vê". Mas também "o inferno é uma casa repleta de hesitações".
Floriano apenas desvenda, feito este perigoso poeta, como assim afirma Renata Sodré Costa Leite na quarta capa da obra. Perigoso poeta. Ele desvenda a vida como a Alma em chamas, título de outro capítulo-obra.
Enfim, neste abismo que se nos apresenta, poderemos aprender a voar e, quem sabe, nos depararmos com outra vida inesperada!
Obrigado!



[Sabores Orgânicos,  noite de 17 de junho de 2015. Texto de apresentação do livro A vida inesperada.]


segunda-feira, 15 de junho de 2015

MÓNICA MORALES ROCHA | Overnight Medley, poemas que saben a jazz

 


En 1959, Bill Evans escribió, en las liner notes de Kind of blue, sobre los retos de la improvisación grupal. Quizá por encima de las dificultades técnicas de la creación colectiva espontánea, Evans puntualizaba la necesidad humana y social de «simpatía» entre los participantes, para lograr un resultado comúnPara el pianista de Nueva Jersey, esa dificultad quedó resuelta bellamente [¡y de qué manera!] en las sesiones del 2 de marzo y 22 de abril de aquel afortunado año para el jazz.
En Overnight Medley (ARC Edições, 2014), los poetas Floriano Martins (Brasil, 1957) y Manuel Iris (México, 1983), de alguna manera sobre el mismo planteamiento de Evans, presentan a lo largo de sus páginas:
Un libro sobre jazz que es el mismo jazz. La improvisación pero también la fusión. Algo imposible sin la amistad, la sinceridad, el sentido absoluto de donación, de entrega. (p. 223).
Overnight Medley es un poemario trilingüe (español, portugués e inglés) dividido en cuatro partes: Footprints, a cargo de Iris, entre otros poemas recupera las semillas de este proyecto a cuatro manos; poemas que son, también, de los primeros del escritor mexicano, nacidos como una manera de entender la música y dan “testimonio de una reacción emotiva a un estímulo también emocional.” Iris se hace de una serie de textos que visitan a Ellington, Mingus, Coltrane, Monk, Gillespie y más. En diez poemas regala postales diversas, riqueza de voces, personajes, situaciones. Finalmente, su mirada –curiosa– no abandona el erotismo sutil pero contundente y bien logrado (sabroso, pues).  Un fragmento de mi favorito, “Round midnight”:

Thelonius Monk ha atado los extremos de la media noche
para iniciar la variación de los andamios
que se alargan de tu hablar
a tu gemir de orgasmo                 al primitivo
tiempo de los otros                       los pre-humanos
que se aman contemplando el fuego. (pp. 69-70).

Giant Steps, capítulo de Martins, deja cuenta del “registro natural de [sus] preferencias musicales”, e incluye a músicos como Ayler, Cannonball Adderley, hasta Sun Ra; pasando por selecciones menos «ortodoxas», como Pascoal, Piazzolla y Zappa. Siendo este libro mi primera lectura del brasileño, confieso que casi logra engañarme con el orden alfabético, por nombre de pila de los músicos, en el índice de Giant Steps. En palabras de Iris, independientemente de su edad, Martins es “un poeta joven e irreverente” que juega (y disfruta como niño) con las palabras, sin perder un gramo en la maestría de su oficio poético. Me provocó de inmediato el deseo mortal de aprender portugués para leerle en su lengua materna, que –aun sin entender del todo– al pronunciar los poemas, suenan riquísimos. Acá un fragmento de su texto “Cannonball Adderley”:

Lo que amo es una alegoría inquieta      un pronombre
desprendido del lenguaje
lo que amo es una cuenta de risas y no exige nada de mí
lo que amo por suerte no sé donde se encuentra
libro que comienza en el epílogo
a salvo de sí mismo. (p. 112).

En Mi favorite things,  Martins e Iris le apuestan a la técnica de la escritura automática, propuesta de Bretón y los surrealistas, como equivalente a la improvisación jazzística. Y en una serie de poemas que surgen de temas de jazz, como “So what”, “Meditation for Moses”, “Lost” y “The procastinator”; construyen, al alimón, imágenes que deleitan lo mismo que estremecen. De “Memories of you”, una probadita:

y eres eso: la memoria de una mano
acariciando el lomo                        y eres eso: la memoria
entre dos cuerpos que se acercan al límite
de los espejos                  y eres eso: la dulce
memoria de los fuegos
                                                                              y el camino (p. 157).


Y cierran con Don’t eat the yellow snow, un diálogo con sabor epistolar donde Floriano y Manuel develan los orígenes y el proceso de conformación de este poemario; las delicias tras bambalinas de sus páginas. Un guiño al lector. Una concesión generosa, que pocas veces encontramos en los libros.  
La relación entre jazz y literatura no es cosa nueva. Ya desde sus orígenesGinsbergKerouac y la generación beat, en Estados Unidos; o Cortázar desde Latinoamérica, por ejemplo; han dejado amplio testimonio de los paralelos entre ambos. Para el autor de Rayuela, no podría encontrarse otro género musical con mayor similitud al surrealismo literario que el jazz: el ritmo y la inspiración como elementos presentes, tanto en la escritura automática como en la improvisación; el impulso total. Y, por su parte, los beats asimilaron al jazz como método literario y forma de vida, llegando a autopercibirse como«jazzistas de la literatura».
Como neófita en los saberes musicales, pero hedonista ávida y voraz escucha de jazz; además de lectora irredenta, no puedo más que celebrar, llena de un gozo indescriptible, que Martins e Iris coincidieran sobre el pentagrama de la vida. Que juntos decidieran publicar este libro que “a partir de la experiencia del jazz, refleja las posibilidades de la amistad, y el amor a la poesía.”
Celebro el Overnight Medley, como celebro una reunión entre amigos entrañables. Me encuentro entre sus páginas, como niña en tienda de dulces, llena de asombro y emoción. Y lo recorro despacio, para dejar que los poemas suenen, estremezcan y lo inunden todo. Sí, la vida es asunto sencillo: jazz y poemas ¿para qué buscar más?